Desenvolvendo e aplicando o conceito do maai no dojo e na vida cotidiana
Introdução
Renato Carvalho
20 de setembro de 2014, Niterói, RJ
Iniciei meu treinamento no Seigan Dojo no final do ano de 2008, como resultado de um longo período de busca por uma arte marcial que além do corpo, trabalhasse também a mente e o espírito. Ainda criança tive a oportunidade de treinar em um dojo tradicional de judô, por isso um simples treino de defesa pessoal não despertava meu interesse. Motivado por um amigo que também procurava por uma arte marcial, comecei a pesquisar a respeito do Aikido, e uma das primeiras características que me chamou a atenção foi ausência de competições. Desta forma, começou a ficar claro para mim que a essência do Aikido era o melhoramento do praticante em relação a si mesmo, uma tarefa complexa, e que dependia da colaboração dos parceiros de treino. O conceito de Masakatsu agatsu katsuhayabi, a vitória sobre nós mesmos aqui e agora, praticado diariamente no Seigan Dojo foi e continua sendo para mim um dos aspectos mais fascinantes deste budo.
Segundo O'sensei Morihei Ueshiba, o Aikido é "O espírito da harmonia" e seu propósito é alçar-nos do mundo da matéria para o mundo do espírito. A busca por este objetivo nos leva então a aumentar a percepção do universo e fundamentar nossas ações baseadas nela. Desta forma os conhecimentos que adquirimos no dojo ou através dos ensinamentos dos grandes mestres podem e devem ser aplicados em nossas vidas, visando estabelecer a bondade verdadeira, o amor verdadeiro e a sinceridade verdadeira em todos os lugares.
O conceito de maai
O distanciamento envolve os conceitos de espaço, tempo e ritmo. O conjunto destas três características permite a interação entre cada um dos elementos do universo, e, portanto é fundamental para que haja harmonia entre eles. Cabe ressaltar que durante a evolução da raça humana, estes conceitos foram aprimorados no âmbito social, cultural e físico.
A palavra japonesa maai, composta pela junção de ma (intervalo espaço temporal) e ai (harmonia), descreve e enfatiza a arte de se relacionar e se comunicar com outros elementos do universo.
Na cultura ocidental a noção de distância é definida quase que exclusivamente pelo conceito de espaço, entretanto, esta visão não compreende situações dinâmicas como um conflito entre dois oponentes. Na cultura oriental a ideia de maai é utilizada em diversas situações em que o movimento define a interação entre dois elementos, sejam eles duas pessoas, um grupo de pessoas, ou uma pessoa e um objeto. Na cultura japonesa maai é praticado em diversas formas de arte marcial, dança, teatro, poesia e música. Desta forma, o domínio de cada uma destas formas de arte exige o completo controle do maai.
O maai aplicado ao Aikido
Especialmente no caso das artes marciais, maai é a distância/tempo que separa dois oponentes, permitindo que eles julguem o intervalo necessário para que um deles inicie a ação e o outro reaja. Sendo assim, se os dois oponentes ou praticantes estão muito distantes não haverá ataque eficiente, e se a distancia for muito pequena, não haverá tempo de reação. No Aikido a noção de maai deve ser ainda mais refinada, uma vez que o objetivo do praticante não é apenas reagir a um ataque, e sim harmonizar a energia do atacante e conduzi-la com o máximo controle. Por outro lado o praticante de Aikido deve ainda estar preparado para determinar o maai em diversas situações diferentes, como técnicas de mão livre, com armas, suwari-waza, hanmi handachi e com múltiplos oponentes.
O maai no dia-a-dia
Segundo Yagyu Munenori, um dos mais famosos espadachins do Japão, em qualquer situação devemos lidar com duas características: a intenção, que é a capacidade da mente de analisar uma questão intencionalmente, e a ação, por ele chamada de Ch'i, que é a manifestação externa da intenção. Portanto a ação é governada pela intenção e não deve ser de forma alguma precipitada. Este conceito é fundamental na resolução de uma situação em que somos fisicamente atacados, mas também é uma das chaves para que possamos harmonizar conflitos que ocorrem fora do ambiente marcial. A mente deve estar completamente concentrada, para que a intenção seja adequada, e a ação seja tomada no momento e com a intensidade necessária.
Munenori apresenta ainda um conceito que acredito ser muito útil na pratica e transposição do Aikido para o cotidiano: "A mente derrota o oponente permitindo que ele ataque". Isto nos mostra que devemos derrotar nossos oponentes analisando a situação, definindo nossa intenção e então permitindo que seu primeiro movimento seja dado, porém de forma falha. Neste processo é fundamental manter a mente calma, em "estado de aguardar", enquanto o corpo está pronto para ação. Este estado físico/mental é permeado pela noção de maai, ou seja, devemos definir a distância correta na qual a mente é capaz de definir a intenção e a ação não é tomada de forma precipitada.
Desta forma, o praticante de artes marciais, em especial o Aikido, desenvolve a habilidade de antever situações de conflito e se posicionar de forma favorável à resolução. Esta habilidade é necessária tanto no âmbito marcial, quanto no ambiente de trabalho e familiar, onde ameaças físicas não são comuns e/ou prováveis, mas situações de estresse psicológico são vividas todo o tempo. No meu atual nível de entendimento a capacidade de determinar limites para a compreensão e a resolução de problemas buscando a harmonia, de forma segura e ao mesmo tempo eficiente, foi uma das maiores contribuições do Aikido em minha vida.
Agradecimentos
Gostaria de iniciar meus agradecimentos ao Shihan Wagner Bull, que além de ter promovido de forma inestimável a prática do Aikido no Brasil, tem sido o guia do Seigan Dojo, inúmeras vezes disponibilizando seu tempo para nos visitar e nos orientar.
Agradeço ainda a todo o Instituto Takemussu, em especial aos senseis que participaram de minhas avaliações: Roberto Matsuda, Ney Tamotsu Kubo, Constantino Dellis e Alexandre Bull. Obrigado a todos pelos conselhos e compartilhar um pouco de seu conhecimento.
Ao sensei Ed Hernandez e todos os colegas do New Tampa Aikido dojo por terem me recebido de braços abertos e permitido que eu pudesse fazer parte de mais uma família do Aikido.
Aos meus pais, Lidia e Renato, pela formação moral, por terem me incentivado desde a infância a buscar o melhoramento pessoal e por terem muitas vezes se privado de seus desejos para que eu pudesse realizar os meus.
A minha esposa Ariane que sempre me apoiou e compreendeu que todas as vezes que chego em casa extenuado, as vezes machucado, dos treinos é quando sou plenamente feliz.
Aos amigos do Seigan dojo que passaram e que continuam no caminho do Aikido. Tudo o que aprendi até hoje eu devo a vocês. Especialmente aos nossos faixas pretas: Juliano Santiago que eleva a cada dia o nível de qualidade dos nossos treinos, obrigado pela cobrança e por permitir que participamos da sua evolução. Washington Peixoto pelos treinos fortes e ao mesmo tempo pela generosidade de mostrar como suportá-los. Seu João de Barros, por mostrar que a mente é sempre mais forte que o corpo e a vontade e determinação nunca se esgotam. Wagner Siqueira por compartilhar a sua busca por um Aikido eficiente e suave e pela vontade de ajudar sempre. Pedro Hansen pela energia da juventude que sempre contagiou os treinos e por ter permitido acompanhar o seu amadurecimento como pessoa e praticante de Aikido.
Por fim, agradeço a meus senseis Carlos e Paulo Cirto. Esta é a oportunidade perfeita para expressar minha gratidão, não só pela paciência dispensada durante esses anos, mas por terem permitido que eu ganhasse verdadeiramente uma nova família. Ao sensei Carlos pelos treinos sempre focados na correção técnica e no relaxamento, e sempre com bom humor! E ao sensei Paulo pelos treinos cheios de energia, e pelas inúmeras conversas sobre a filosofia oriental. Aos dois igualmente por manterem no Seigan dojo um ambiente agradável e acolhedor para aqueles que buscam o caminho do Aikido.
Bibliografia
Domenico Masciotra, Edith Ackermann, Wolff-Michael Roth. "Maai": The Art of Distancing in Karate-Do Mutual Attunement in Close Encounters. Journal of Adult Development, Volume 8 (2),pp 119-132, 2001.
Ueshiba, Mohirei. Budô: ensinamentos do fundador do Aikido. São Paulo: Editora Cultrix, 2006.
Bull, Wagner. Aikido: takemussu aiki. São Paulo: Editora Pensamento, 2007.
Ueshiba, Mohirei. Ensinamentos secretos de Aikido. São Paulo: Editora Cultrix, 2010.
Munenori, Yagyu. A espada que dá vida: ensinamentos secretos da casa do Shogun. São Paulo: Editora Cultrix, 2013.