A caminhada
Juliano Santiago
20 de setembro de 2014, Niterói, RJ
Meu nome é Juliano e pratico aikido em Niterói, no Seigan Dojo. Decidi aproveitar essa tese de shodan para contar um pedacinho da história do dojo, sob a ótica de um aluno que admira o esforço dos seus Senseis para ensinar essa arte marcial muito especial chamada aikido.
Comecei a treinar em janeiro de 2002 e logo na primeira semana de treino, percebi que estava diante de uma arte marcial complexa, cujo aprendizado demandaria tempo e bastante dedicação.
No dojo, treinavam regularmente três alunos, Washington, Robert e José, eu me tornei o quarto praticante assíduo logo no primeiro mês. Embora fossemos todos iniciantes, José era o mais antigo e graduado faixa amarela. Os treinos eram fortes e diários, éramos praticamente “viciados” em aikido (será que deixamos de ser? Tenho minhas dúvidas!). Lembro-me que treinávamos duas aulas por dia, em academias diferentes, de segunda a quinta, e na sexta, combinávamos para treinar mesmo não tendo aula oficialmente, para que no treino seguinte, tirássemos todas as dúvidas com os nossos instrutores.
Com o passar do tempo, Robert, José e outros alunos que iniciaram a prática nos meses subseqüentes, abandonaram o aikido, mas Washington e eu continuamos treinando forte, o que nos ajudou a evoluir com uma certa rapidez. Lembro-me que em todos os encontros técnicos que participávamos as pessoas perguntavam: “–Vocês vão fazer exame? De novo?”. Isso já estava até virando piada, mas o que realmente importa nessa estória, e, que eu carrego até hoje, foi um dos grandes segredos do aikido que descobri ainda como faixa branca. Esse segredo é TREINAR, TREINAR e TREINAR. Gosto de contar essa passagem na minha história no aikido, para que as pessoas entendam que somente através de muito esforço e dedicação nós conseguimos progredir naquilo fazemos, seja no aikido, no trabalho, etc. A minha evolução e a de todos os alunos do dojo, se deve, principalmente, a esses elementos básicos que muitas vezes as pessoas custam a enxergar, afinal é comum observarmos na sociedade a busca incessante por resultados rápidos e duradouros, sem muito esforço, o que gera uma profunda frustração e insatisfação, pois isso simplesmente não existe.
Os treinos no dojo eram ministrados pelos Senseis Carlos, Geraldo e Paulo e sempre foram cheios de detalhes, versatilidade e marcialidade, características marcantes de cada Sensei. Não tenho palavras que possam descrever o quanto os três são dedicados ao aikido e a nós alunos, ou como costuma dizer Sensei Geraldo, “ os meninos”.
Sensei Carlos sempre teve muita paciência em nos ensinar, extremamente detalhista, fazia questão que soubéssemos cada minúcia da técnica, buscando sempre o desequilíbrio. Um homem de carácter, corretíssimo em suas atitudes, dentro e fora do tatame, é um exemplo a ser seguido. Quando comecei a treinar, foi ele quem me recebeu no dojo, me ensinou as primeiras técnicas e com o passar dos anos, muito mais do que isso, me ensinou a ser uma pessoa mais atenta as pequenas coisas da vida, mais paciente e tranquila, também aprendi a evitar conflitos desnecessários e minha agressividade diminuiu. Tive o prazer de assistir o seu exame de shodan em São Paulo, junto com Sensei Geraldo, e conhecer pela primeira vez o Instituto e Sensei Wagner, que na noite após o exame, executou técnicas em todos nós que me deixaram muito impressionado e certo de que se contasse para alguém o que tinha visto e sentido, me chamariam de, no mínimo, doido. Fica difícil escrever sobre o Sensei Carlos, não sei explicar muito bem o por quê, mas mesmo assim, tentei em poucas palavras resumir minha admiração por ele. Estou certo de que falta muita coisa a ser escrita para que eu consiga retribuir tudo que recebi desde que entrei para o dojo, mas pelo menos é um começo. Ao Sensei Carlos, muito obrigado!
Sensei Geraldo, com certeza, dispensa apresentações, tem um carisma tão grande que não cabe dentro dele. Isso me lembrou uma das viagens para São Paulo que fizemos para participar de mais um seminário. Quando entramos no ônibus, estávamos eufóricos, falando alto, brincando muito, mas já era tarde (mais ou menos meia noite), quando percebi que uma das passageiras, que estava acompanhada da filha, não gostou nem um pouco da maneira que entramos. A expressão do rosto dela dizia tudo. A poltrona do Sensei Geraldo era a do corredor ao lado da poltrona desta senhora, na hora pensei, vamos ter problemas. Para minha grata surpresa, uns 20 minutos depois que o ônibus saiu da rodoviária, Sensei Geraldo já estava conversando animadamente com ela (pra bom entendedor um pingo é letra) e assim foram quase até São Paulo, e olha que são cinco horas de viagem! Carisma maior do que esse, eu nunca vi. Sensei Geraldo, obrigado por tudo.
Sensei Paulo, podemos considerá-lo o “ajuste fino” do dojo, sempre que alguém resolve colocar as “manguinhas” de fora ele “chega junto” e mostra que o caminho da humildade e do controle do ego é o melhor, fazendo com que mantenhamos o espírito do iniciante sempre presente. Sua característica marcante é a constante preocupação com a marcialidade dos treinos, afinal o aikido não é só arte. Como aprecio o lado marcial das técnicas, minha identificação com Sensei Paulo foi rápida. Embora treinar de forma marcial possa estimular uma certa agressividade, pelo menos esta é a minha avaliação no estágio em que me encontro, Sensei Paulo sempre soube adminstrar muito bem essa questão, ensinando formas mais contundentes apenas aos alunos mais antigos que demonstravam, dentro e fora do tatame, serem homens de bom caráter, evidenciando um senso de responsabilidade ao ensinar que infelizmente é pouco visto em outros locais que difundem artes marciais. Assim como Sensei Carlos e Sensei Geraldo, é um excelente ser humano que sem dúvida tenho o prazer de chamar de meu amigo.
Tive o privilégio de treinar durante meses com Sensei Paulo, durante sua preparação para o exame de shodan e pude perceber toda a ansiedade e preocupação que antecedem um exame como esses. Também percebi que só se sentem assim aqueles que se dedicam e levam o aikido a sério, colocando muitas vezes a vida pessoal em segundo plano. Ao Sensei Paulo, por tudo isso e muito mais, muito obrigado.
Além dos treinos e Senseis comprometidos, a participação em Encontros Técnicos e Seminários que os nossos instrutores sempre incentivavam também foi, e continua sendo, fator determinante para o desenvolvimento técnico e do espírito de grupo, que começava a se delinear em 2003. Nesta época, a rotatividade de pessoas treinando continuava, porém alguns alunos como “seu João”, Mauro, Wagner Palmiere e Max, que treinam até hoje, já apresentavam sinais de que persistiriam, no caminho do aikido. Formava-se então o núcleo de um grupo coeso e extremamente comprometido com o Instituto Takemussu. Compromisso este, tão sério, que não hesito em dizer que o Seigan dojo esteve presente em, pelo menos, 98% dos eventos organizados pelo Instituto de 2002 até hoje. Nossos instrutores fazem questão de que o maior número possível de alunos compareça aos eventos, não só como forma de fortalecer o grupo, mas como demonstração de gratidão a Sensei Wagner que nos proporciona o que há de melhor no mundo em termos de aikido.
Em meados de 2004, o dojo deu um passo importante e inaugurou uma sede própria em Icaraí, pois até o momento, as aulas eram ministradas em academias de ginástica, junto com aulas de spinning, jiu-jitsu, krav magá, entre outros, o que tornou impraticável, por motivos óbvios, a continuidade dos treinos nesse tipo de local. Desse ponto em diante, com sede exclusiva e novos horários, o clima do dojo que já era bom, ficou ainda melhor, pois os laços de amizade entre os alunos e os senseis se fortaleceu e novos alunos se incorporaram a família seigan. Resumindo: foi um marco positivo para o dojo.
Entre 2004 e 2007, alunos como Rodrigo Ramos, Vinícius, Wagner e Pedrinho, começaram no dojo com o mesmo espírito que os alunos mais antigos iniciaram, portanto, não demorou muito para percebermos que o núcleo do dojo estava crescendo e se tornando mais sólido. O ritmo dos treinos, a vontade de aprender, a superação das dificuldades do dia a dia que nos impedem de seguir adiante, tudo era igual. Dizem que a história se repete, eu pude ver isso na prática, ou melhor, no tatame.
Bom, não vou me alongar mais, pois o intuito não é contar minúcias históricas acerca dojo, mas valorizar o esforço de todos, alunos e instrutores, que durante esses anos contribuíram enormemente para que eu chegasse até esse momento mágico que é o exame de shodan. Senseis, amigos de treino do Seigan dojo, essa tese é pra vocês.
Agradecimentos
Muito obrigado ao Sensei Wagner Bull que dedicou grande parte da sua vida ao aikido e a nós alunos. O espírito do iniciante que o Sensei possui é realmente impressionante, um exemplo a ser seguido. Os eventos que o sr. organiza, a preocupação em nos ensinar, o rigor nos exames, tudo isso visando nossa evolução técnica e espiritual. Muito obrigado por tudo que o sr. faz por nós.
Não poderia deixar de agradecer aos professores Costa, Alexandre Bull, Tamotsu e Osmar que acompanharam minha evolução desde o começo, participando das várias bancas de avaliação as quais fui submetido ao longo desses anos, sempre demonstrando sinceridade nas observações ao final dos exames, o que me ajudou muito a crescer tecnicamente e como ser humano.
Obrigado a todos os alunos do Instituto Takemussu em São Paulo que sempre nos receberam muito bem durante as nossas estadias no dojo central para a participação nos Seminários.
Ao professor Fernando Santanna muito obrigado, pois sempre nos incentivou (eu e Washington) no caminho do aikido, seja efetuando correções técnicas ou com palavras sinceras de incentivo. A admiração de Niterói por Cabo Frio é antiga e não poderia ser diferente, pois quando se trabalha com o coração a atração mútua é inevitável. Atração esta que também une Niterói a Copacabana (Yamato Dojo) representado pelo instrutor Mauro Salgueiro, que é uma pessoa transparente e que não economiza palavras para estimular o Seigan Dojo.
A toda minha família, que sempre me apoiou, acreditou em mim e fez das “tripas coração” para que eu e meu irmão tivéssemos uma educação digna e um futuro promissor, meus sinceros agradecimentos. Se hoje sou considerado um homem descente eu devo isso a vocês. Muito obrigado.
Ao Universo que me da forças para seguir adiante, muito obrigado.
A minha namorada que literalmente “me atura” há alguns anos e soube compreender que o aikido me faz bem e entrou na minha vida para ficar, muito obrigado.
Obrigado aos amigos de treino, de hoje e de ontem, do Seigan, Yamato, Hikari e Kitogi, que gentilmente emprestaram suas articulações para que eu treinasse. Como eu disse, e repito quantas vezes for necessário, se cheguei até aqui foi com a ajuda de vocês.
Um agradecimento especial vai para o Washington, grande amigo que treina forte comigo desde que entramos, sem nunca termos nos desentendido. Nossa concepção de treino é tão parecida, que às vezes acho que foi obra do Universo termos começado na mesma época. Possuidor de um shomen uti que mais parece uma marretada, contribuiu muito para que eu aprendesse a começar a usar o quadril, a absorver os ataques, a me movimentar mais e por ai vai. Valeu Washinton, esse exame também é seu.
Finalmente, quero agradecer aos meus Senseis que ao longo desses cinco anos e oito meses de treino souberam me mostrar o caminho. O comprometimento com o dojo que vocês possuem impressiona. Pude presenciar exemplos de dedicação que se alguém tivesse me contado talvez não acreditasse. Lembro-me que certa vez chovia muito em Niterói, estava tudo alagado, só eu e Sensei Paulo, que estava com muita febre, havíamos conseguido chegar ao dojo, ou seja, tudo contribuía para que não houvesse aula, a falta de alunos, a febre do Sensei Paulo, o alagamento, mas ao contrário, treinamos durante uma hora sem parar até a última gota de energia do Sensei. Em outro momento de extrema dedicação, Sensei Carlos no ápice das crises de hérnia de disco, duas por sinal, não deixava de comparecer as aulas mesmo com muita dificuldade de locomoção, a ponto de quase não conseguir sair do carro de tanta dor que sentia. Sensei Geraldo também demonstrou o mesmo comprometimento quando no momento de extrema dor em função da passagem de um filho para o plano espiritual ainda se preocupava com a gente, dizendo “- Carlos, como é que eu não vou dar aula, como vão ficar os meninos....” , e lá estava ele, dando aula, visivelmente abatido mas de pé. Diante desses exemplos e de muitos outros, eu tenho a obrigação moral de ser leal e grato aos meus Senseis. De coração muito obrigado.