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Aluno Seigan Dojo João Barros

Aikido em prosa e verso
A descoberta

João A. Barros, vulgo “seu João”
31 de julho de 2009, Niterói, RJ

Ao nascer, o homem faz a sua primeira descoberta. Descobre a dor. Os seus primeiros gritos explodem em um choro desesperado, perdido e só. Nesse mesmo momento, é envolvido por dois braços que o abraçam ternamente e o puxam para um colo ainda convulso pelo esforço de dar à luz, aninhando-o carinhosamente entre os  seios. Sentindo o calor do corpo que o agasalha, ele faz a sua segunda descoberta. Descobre o amor.

Agora, na segurança daquela mulher que o protege, faz uma terceira descoberta. Descobre a  fome, ao mesmo tempo que a aplaca nos seios daquela que o acolheu.

Logo, descobre a luz seguida de imediato pela descoberta da noite que traz sob o seu manto medos e fantasmas que assustam seus sonhos. Mas, vem, também, a descoberta do ciúme e da raiva. E outras descobertas, algumas infelizes e outras alegres, como a descoberta do amor e da felicidade.

Assim, de descoberta em descoberta, o homem vai se integrando a esse mundo tantas vezes selvagem e cruel, como tantas vezes cheio de amor e alegrias. O homem passa a entender que teria de viver a sua vida sob essa dicotomia; o mundo selvagem cheio de ódios e rancores lado a lado com a compreensão, a tolerância, a paz e o amor que a tudo concilia e a tudo perdoa.

O tempo passa rápido e algumas outras descobertas ainda se farão presentes. Entre elas, descobre que os anos se passaram e ele hoje já não é mais o mesmo. De repente, ouve uma voz a chamá-lo:

– Ô, velho!, sai da frente. Não vê que está atrapalhando a passagem?

Descobre que ficou velho.

Um dia, através de uma porta envidraçada de uma Academia de Musculação, esse homem vê quatro crianças de, no máximo, dez anos, sendo que a única menina do grupo não passava dos oito anos, praticando uma arte marcial, para ele, até então desconhecida. Eram orientadas por um jovem rapaz, que deveria ter seus trinta anos, não chegando aos quarenta, vestindo um quimono desses que os lutadores de judô usam, acrescido de uma saia preta, que mais tarde viria a saber que se chamava Hakama. O instrutor lhes ensinava golpes marciais, que não pareciam ser de judô ou mesmo jiu-jitsu.

Intrigado e curioso, ele espera a aula acabar e se dirige a esse jovem enchendo-o de perguntas. Educadamente, o jovem responde a todas as suas perguntas e a palavra mágica é então ouvida pela primeira vez pelos seus ouvidos: AIKIDO.

Precisava acreditar no que via e mais uma vez voltou àquele pequeno ginásio para assistir a outra aula de Aikido para aquelas crianças. E mais uma vez ficou surpreendido com a desenvoltura dos meninos que aplicando as técnicas ensinadas pelo mestre o jogavam ao chão e o dominavam.

Se aquelas crianças podiam executar técnicas tão complexas, porque não poderia ele, também, fazer a mesma coisa?

E assim, esse homem fez, talvez, a penúltima descoberta da sua vida; descobriu o Aikido.

Essa descoberta, se não mudou a sua vida, o ajudou a continuar a sua caminhada.

Esse homem, hoje, sou eu.

O Aikido

Com o ingresso no Seigan Dojo comecei a escrever uma nova história, afinal, um homem precisa ter a sua própria história para um dia poder contá-las aos seus amigos mais próximos e legar aos seus filhos e netos as lendas que ele construiu.

Não vim a descobrir o Aikido somente como arte marcial,  descobri que por trás da sua marcialidade existia o seu lado humano tão forte quanto o seu lado técnico. Esse lado humano é que nos aproxima e nos une aos companheiros que como eu procuram desenvolver as técnicas praticadas em cima do tatame e ensinadas pelos senseis. Vim a entender que ela, também, nos torna mais fortes espiritualmente, mais focados nos deveres e mais amigo dos amigos.

Ingressei nesse pequeno círculo de praticantes das técnicas de Aikido no Seigan Dojo em Niteroi, dos Senseis irmãos Carlos Cirto e Paulo Cirto. Sob a orientação deles comecei a treinar essa Arte Marcial, incrivelmente complexa e terrivelmente eficaz, criada pelo O Sensei, Morihei Ueshiba.

Nos começos dos treinamentos, tive tambem como professor o Sensei Geraldo, que hoje fundou o seu próprio Dojo.

Morihei Ueshiba nascido na cidade de Tanabe, Japão, filho de Samurai, extremamente religioso, seguiu o caminho das Artes Marciais e entendeu que as técnicas praticadas nessas Artes poderiam ajudar a levar o homem ao caminho da purificação, e desta maneira, a se harmonizar com o Universo.

O Sensei Morihei Ueshiba expressa bem esse pensamento no penúltimo mandamento do seu “Lemas do Aikido” quando diz: “Conscientizar-se de que o AIKIDO é um dos caminhos que leva a DEUS”.

Mais tarde, dominando algumas Artes, como o Aiki-Jiujitsu, entendeu que tornando essas técnicas mais suaves elas poderiam ser praticadas por qualquer pessoa servindo, alem do exercício físico, como ao lado espiritual. Surgia o Aikido e então Morihei Ueshiba, com o seu filho, passou a difundir essa Arte Marcial em todo o mundo.

Mas, o Aikido não se limita às aulas de treinamento nos seus dojos. Tendo o estado de São Paulo, no Brasil, como centro da prática dessa Arte encontrei no Instituto Takemussu, uma escola de Aikido em que essa arte é praticada sob a orientação do Sensei Wagner Bull, um brasileiro paranaense, que além de supervisionar os outros Dojos, seguidores do Instituto Takemussu, organiza Seminários com a presença de renomados Senseis japoneses, que vem ao Brasil, divulgar e demonstrar as técnicas então praticadas no Japão naquele momento. Com esses Seminários, Sensei Wagner Bull pretende agilizar e atualizar o Aikido praticado no Brasil.

A primeira vez em que fui a um Seminário em São Paulo foi ao do Sensei Yamada, no clube Tietê, que fica às margens do rio desse mesmo nome. Nesse Seminário, em que levei um susto pela grandiosidade do evento, é que dimensionei o que significava essa arte marcial para os praticantes do Aikido. Centenas de pessoas de kimono, muitas de hakamas, sob a orientação do Sensei Yamada, se atacavam e se defendiam formando, no seu conjunto, um balet de formas elegantes e viris. Até hoje, esse Seminário foi tão marcante para mim que a sua imagem me vem à memória todas às vezes que volto à São Paulo para um novo evento dessa  natureza.

Nos Seminários seguintes é que pude entender a obra e o trabalho que Sensei Wagner Bull vem fazendo para o crescimento dessa Arte no Brasil. A começar pelo seu Dojo. Uma casa simples mas, quando se acessa o seu interior, o visitante sente-se invadido pela mística oriental que lhe dá uma sensação de paz e tranquilidade. Por diversas vezes, pernoitamos nessa casa e nela dormimos em cima do tatame onde as aulas de Aikido são ministradas.

No Seigan Dojo, em Niterói, na sua modesta instalação, os Senseis Carlos e Paulo conseguiram criar, além do clima de paz, um clima de família que se reúne, se confraterniza e que se quer bem e estimular a amizade que nasce entre os seus aikidoistas.

Quem é quem

Falar nos irmãos Carlos e Paulo, os Senseis que fundaram o Seigan Dojo, seria não uma obrigação, mas um recohecimento pelo que esses dois fazem pelo Aikido. Praticantes dessa Arte Marcial por mais de 20 anos, alunos que foram do Sensei Shikanai, hoje, com uma técnica, senão perfeita, quase chegando a isso e com uma coragem pouca vista em dois jovens, resolveram abrir esssa academia onde somente se pratica o Aikido – como se diz na gíria – com a cara e a coragem.

Começando com apenas quatro aluninhos, como disse anteriormente, conseguiram através de sacrifícios pessoais e muito trabalho, impor suas qualidades técnicas, alem de serem donos de perfis, como bom carácter, honestidade, e o firme propósito de formar e criar  personalidades  de alunos voltadas para o bem no sentido de serem fortes, criativos e honestos.  Assim, conseguiram atrair um número considerável de jovens, que hoje, seguindo a escola do Instituto Takemussu aprendem a praticar o melhor do Aikido através de suas aulas.

Durante a minha vida criei e formei grupos de amizade que ao longo do tempo foram se desfazendo e se perdendo em razão de circnstâncias surgidas em determinados momentos.  O tempo na sua crueldade, muitas vezes apaga de nossas memórias as velhas amizades que criamos mas, esse mesmo tempo nos trás, como presente, novas amizades que se criam e se fortalecem amarrandos laços que completam esse novo círculo. Assim, no Seigan Dojo, tenho certeza que conquistei novos amigos nessa minha vida repleta de surpresas e descobertas.

Hoje, são eles que me encorajam e me estimulam a continuar e a me desenvolver no aprendizado do Aikido – porque não é fácil, para mim, hoje com 78 anos praticar exercícios que exigem força e resistência física –  que procuro com persistência e tenacidade vencer nesse último desafio.

Esses novos amigos tem nomes e Juliano, por ser um dos mais antigos e o primeiro faixa preta do Seigan Dojo é um dos primeiros que lembro. Juliano é para todos nós, além de amigo, um incentivador  e na sua busca da perfeição na prática das técnicas do Aikido nos estimula a seguir seu passos nessa nobre Arte.

Washigton, que hoje é o segundo faixa preta formado no Seigan Dojo é para mim mais um exemplo de dedicação ao Aikido tornando-se, no meu entender, aikidoista que segue os mesmos passos do Juliano. Esses dois exemplos citados são, na verdade, os mais antigos praticantes de Aikido neste Dojo a quem recorremos quando surgem dúvidas na melhor aplicação de uma técnica.

O jovem Samir, que do alto dos seus 1.85 realiza Yokos fantásticos, o seu pai, dr. Jorge Abunahman, médico cardiologista, um dos nossos peso-pesados do Seigan Dojo. Rodrigo recém casado, insiste a continuar a sua lua-de-mel. Vinicius, super apaixonado pela sua alemãzinha, Gabriela, a quem obedece cegamente, é tambem o mais novo papai do Dojo. Max, diplomado em Informática, que foi meu Uke em alguns exames, hoje faixa azul, é outro companheirão que está sempre presente.

Não posso deixar de citar os nomes desses amigos porque eles me são muito caros. Pedrinho, por exemplo, com 15 anos, mas com amadurecimento de quem tem mais de 20 anos, Wagner Siqueira, o nosso agente federal, calmo, que nos passa segurança e tranquilidade. Wagner Palmieri, que entende demais de carro, além dos mais novos que entraram para o Dojo como Antonia e seu marido Weber, Sobrinho e as irmãs Vanessa e Jéssica, que em muito pouco tempo, dedicadas, já começam a praticar muito bem as técnicas de Aikido, os meninos, gêmeos, Yago e Vitor, com 10 anos, rolando no tatame como gente grande, Henrique, Oswaldo e tantos outros novos, que começam a treinar as técnicas dessa arte marcial. Enfim, aikidoistas que vão se tornando para mim os mais novos amigos que abraço e os salvo arquivando, numa pasta, no meu coração.

Se os quero como amigos tambem quero me dar como o amigo de vocês.

Há muito anos atrás, no fim da década de 40, ouvi de um grande amigo meu, que hoje navega no Estígio na barca de Caron, um poema, que por ser tão forte e bonito nunca mais esqueci. Esse poema que falava em amizade da autoria de um cubano, amante da liberdade, chamado José Martí, cujos versos diziam:

“ Cultivo una rosa blanca,
En julio como en enero,
Para el amigo sincero
Que me da su mano franca.
Y para el cruel que me
arranca el corazón
con que vivo
cardo ni urtiga cultivo:
cultivo una rosa blanca”.

Assim, termina essa explanação, que não posso chamar de Tese, porque tudo que disse reflete mais um estado de espírito do que argumentos pragmáticos e pretenciosos.

Agradeço a atenção dispensada e a todos dou o abraço do amigo que quer cultivar a rosa branca.

Obrigado Aikido!

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